sexta-feira, 23 de novembro de 2007

"Eu queria um amor..."

É interessante quando ouço falar que determinada pessoa fez uma “opção sexual”. Ao meu ver, não parece uma opção, mas uma situação que já nasce com a pessoa. Será que não se deveria dizer: “Fulano se aceitou”? No meu caso, percebi que era “diferente” ainda bem criança, quando não me interessava pelas mesmas brincadeiras que os outros garotos da minha idade. É lógico que após sofrer uma certa pressão da sociedade (da minha mãe, no caso) fingi que gostava sim e acabava me forçando a tentar ser o mais normal possível, principalmente ao lado dos meus pais. Em casa e sozinho, porém, eu usava toda a imaginação possível para brincar do que me fosse mais agradável, sem pensar que essa brincadeira era só para meninos e essa só para meninas.

Eu tinha um super amigo nessa época. Até hoje nos falamos, bem raramente agora, e sempre recordamos dos bons tempos nos quais a nossa maior preocupação era o dever de casa do dia seguinte. Como eu brincava muito sozinho, eu fingia que ele estava comigo, uma espécie de “amigo que existe imaginário”. Levei essa brincadeira por muito tempo até perceber que eu estava mesmo era gostando dele, de verdade. Nós conversávamos muito na escola, trocávamos informações sobre os deveres e trabalhos. Usava da maior naturalidade possível, tentava me concentrar só na amizade. Fingia até um certo descaso ou desinteresse pelo que ele me falava. Eu ia muito a casa dele para estudar e vice-versa. A mãe dele, inclusive, me tratava super bem e até dizia que queria ter uma filha para se casar comigo. O tempo foi passando e eu com aquele sentimento bem guardado, bem sublimado dentro de mim. Eu fazia de tudo por ele, tudo o que ele pedisse. Eu nunca consegui perceber nenhuma brecha na qual eu pudesse tentar falar e sabia que eu poderia estragar nossa amizade se eu mencionasse o assunto. Dava para perceber claramente: ele era hetero até as pontas dos cabelos.

Todo mundo faz uma escolha, a minha foi a de que eu preferia manter a amizade, tão legal, tão sólida de anos a sequer pensar em falar que o amava e ele acabar me rechaçando para o resto da vida. Às vezes, ele mencionava algum romance adolescente, falava sobre alguma menina que o atraía. Eu ouvia tudo na maior paciência e resignação, tudo. O segundo grau terminou e nós acabamos não tendo mais tanto contato quanto tínhamos antes. De vez em quando a gente se encontrava e conversava. O legal era saber que era amizade mesmo. Às vezes ficávamos meses sem nos falar e quando conversávamos era como se tivéssemos nos falado no dia anterior.

Aí um dia, ele veio aqui em casa. Eu não estava. Ele deixou o convite de casamento e meus pais disseram que ele mencionou várias vezes que contava com a nossa presença, ainda mais eu que era super amigo dele. Quando vi o convite, pensei comigo mesmo: “Eu não vou chorar, afinal de contas eu nunca tentei me aproximar dele”. No dia do casamento, todo mundo estava super arrumado aqui em casa. Minha mãe, então, fez cabelo, unha, comprou bolsa e sapatos novos. No carro, eu fui prestando atenção na paisagem. Uma certa tristeza me invadia. Não vou chorar... Ainda não...

Na hora da cerimônia, ele entrou com a mãe e dirigiu-se até o altar. Ele estava tão bonito... por um momento, desejei ser mulher, pois assim, minhas chances poderiam ter sido mais reais e poderia ser eu que estaria casando naquela noite. A noiva entrou. Ela era linda mesmo, eu ainda não a conhecia pessoalmente, mas sempre escutava a menção do nome. Eles juraram estar sempre juntos na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença... já era a hora de chorar?

Reencontrei outros amigos de infância e lá pelas tantas pensei comigo que eu não poderia fazer mais nada... decidi aproveitar mesmo a festa. Abracei-o sabendo que aquela seria a última vez, percebi que a partir dali, eu estava livre para tentar recomeçar, para tentar encontrar também o meu par. O casamento foi uma espécie de libertação para mim.

Eu não tive vontade de chorar, como pensei. Fiquei feliz por ele apesar de tudo, pois ele estava feliz, havia encontrado o amor sincero e construiria a família que tanto desejava. Eu achava que ele tinha a necessidade de construir algo bem sólido, já que a família dele não contava, os pais eram separados.

Ao fim da festa, todo mundo levava o arranjo de flores que estava sobre a mesa. A minha mãe também. Em casa, de madrugada, quando todo mundo já havia se deitado, eu puxei uma rosa vermelha do arranjo e guardei dentro de um livro. Seria a minha recordação, a minha forma de me lembrar dele. Hoje ainda penso nele com muito carinho, afinal, fez parte da minha vida. Lembro dele sorrindo, me chamando pela janela... lembro das tardes que passamos na casa dele, especialmente de uma. Eu fui estudar, começou a chover. Como todas as janelas estavam fechadas, tive uma sensação agradável de calor e proteção. Fomos tocar teclado. Ele de moletom verde, eu de camisa branca e calça jeans. Eu ficava prestando atenção nas mãos deslizando pelas teclas e poderia desenhar com exatidão o formato dos dedos. Se eu me concentrar bastante, consigo até lembrar do cheiro dele. É uma memória tão simples, mas muito significativa para mim. Naquele momento, eu fazia parte da vida dele, mesmo que não fosse da maneira como eu queria.

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Dessa vez não ouvi nenhuma música para escrever. Mas lembra do André Leono, aquele calouro do Raul Gil? Quando passou o período de explosão, encontrei o cd dele de promoção nas Americanas e resolvi dar uma chance, a voz dele era muito bonita. O cd não é lá essas coisas, mas “Um dia, um adeus” do Guilherme Arantes e “Eu queria um amor” salvam o trabalho dos produtores. Essa segunda diz: “Eu queria um amor / que fosse quente igual ao seu / Eu queria um amor / que pudesse ser só meu / Eu queria um amor / que pudesse apagar essa dor / e que trouxesse ao beijo um sabor / E não fosse acabar”. Diz tudo...


3 comentários:

JMC disse...

Rod, vc escreve muito bem, com sensibilidade. Podemos sentir o que sentiu na época com seu amigo!

Sem contar essa linda amizade!

Eu já me apaixonei algumas vezes assim como vc, algo intenso e que sobrevivia somente dentro de mim!

Abraços

O Well Bernard disse...

Olá... eu gosto do meu melhor amigo. Mas é muito complicado para mim, ele demonstra ser muito hetero e até homofóbico. Estou no armário e nem penso em sair dele. Mas eu sei bem o que você senti, apesar de que meu amigo só tem 18 anos e não pensa em casar.

Uma música que eu acho interessante é CERTAS COISAS do Lulu Santos.

Anônimo disse...

Na adolescência eu criei uma carapuça hetero pra mim mesmo. Perdi a chance de viver coisas assim, meu amigo. Imagino o quanto deve ter sofrido, mas sofrer é legal, desde que superamos isso depois. :)
Acho que você vai gostar de Belle and Sebastian... dá uma conferida e depois me fala. Abraços!